Por favor, não me venham falar em tradição.
Não me venham falar que a sopa da barbatana de tubarão é uma receita milenar que vovozinhas chinesas vêm passando através de gerações na tentativa de manter vivo antigos costumes do seu povo. A sopa da barbatana de tubarão nada mais é do que símbolo de status e riqueza, pura ostentação que se vê em grandes eventos como casamentos, festas e jantares de negócios. Herança da Dinastia Ming – que a elevou a condição de iguaria pela raridade de seu principal ingrediente – a sopa atualmente é consumida em escala muito maior do há alguns séculos.
Um amigo brasileiro que também vive aqui em Singapura me contou outro dia sobre um jantar de confraternização da empresa onde ele trabalha, durante o qual foi servido o polêmico prato. Ele, que me conhece há anos e está cansado de ouvir meu discurso sobre a sustentabilidade daquilo que levamos à mesa, recusou-se a experimentar. Seus companheiros singapurianos, no entanto, deliciaram-se com a iguaria sem culpa alguma. Não porque era gostoso. Não porque tinha propriedades medicinais. Mas porque era caro, chique e, para a sorte deles, de graça.
(FOTO: Clarissa Ferreira || Barbatana de tubarão à venda em uma vitrine em Macau, China)
Segundo o site Stop Shark Finning, um prato da sopa pode custar até 100 dólares nos restaurantes, o que faz com que pescadores espalhados pelo mundo não poupem esforços para garantir as tais barbatanas capazes de aumentar consideravelmente o lucro dos negócios. Não precisamos ir muito longe nessa história para concluir que, uma vez que apenas as barbatanas interessam, depois de mutilados os animais são jogados de volta ao mar para morrer.
Isso, por si só, já é o suficiente para nenhum ser humano querer consumir esse tipo de alimento. Mas vamos seguir. Ao que parece, a barbatana em si não tem gosto de nada, serve apenas para dar textura e consistência a um caldo de legumes ou frango. Quer mais? A medicina chinesa atribui à iguaria propriedades medicinais, enquanto estudos recentes comprovam que a carne do tubarão possui altas doses de mercúrio se comparada à de outros peixes. Então? Ficou com água na boca?!
Em Singapura, a Cold Storage, uma das maiores redes de supermercado do país, aboliu a venda da barbatana e da carne de tubarão. Logo outras empresas do ramo seguiram o exemplo e retiraram os produtos de suas prateleiras. Mas por aqui a sopa ainda é muito popular entre os chineses. Restaurantes de luxo a oferecem o prato sem constrangimentos, casais continuam o esbanjando em suas bodas e ninguém esconde a vontade de experimentar o gostinho da riqueza! Muitos turistas, claro, seguem o exemplo e incluem um pitstop para experimentar a iguaria no roteiro da viagem.
Segundo a organização Sea Shepherd, mais de 100 milhões de tubarões são abatidos todos os anos. Oito mil toneladas de barbatana são processadas anualmente, sendo que ela constitui apenas 4% do corpo do animal. Dezoito espécies de tubarão estão ameaçadas de extinção. Esse é o preço da ostentação.
Então, quando estiver viajando e se sentir tentado a experimentar a culinária local, pare e pense se aquele prato representa uma tradição que merece ser preservada ou se é apenas a herança de uma prática que há muito deveria ter sido extinta.
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